sexta-feira, 17 de julho de 2015

Casa do "Burro Brabo"


Localizada na antiga Estrada da Graciosa, atualmente Av. Pref. Erasto Gaertner, foi construída lá pelos anos 1860. Foi armazém, pousada para viajantes e mais tarde um prostíbulo conhecido como "Casa das Francesas".
"Construída em um único pavimento, com técnica mista, alvenaria de tijolos nas paredes externas e estuque nas paredes internas. Possui uma varanda nas fachadas frontal e lateral, com piso de tijolos. Marcante no entanto é a cobertura do imóvel, não só pelas suas dimensões mas também pela sua linha de caimento que se projeta sobre as varandas."
Esta casa é tombada pelo Patrimônio Cultural do Paraná e é uma Unidade de Interesse de Preservação. Encontra-se no momento sem qualquer utilização.

No Bacacheri as pessoas contam diversas histórias relacionadas a esta casa. Uma delas diz que D. Pedro II pernoitou na casa. Outra diz que ele parou para fazer xixi lá. Uma terceira diz que ele teria ficado hospedado nas proximidades e que durante a noite teria feito uma visita na casa que era um prostíbulo. Todas parecem ser lendas urbanas, salvo que algum dia apareça alguma documentação que desconheço.

Uma coisa porém parece ser certo: D. Pedro II deve ter passado pela frente da casa umas três ou quatro vezes.

Quando D. Pedro II chegou em Curitiba no dia 21 de maio de 1880, vindo de Paranaguá pela Estrada da Graciosa, foi recepcionado por cavaleiros que o acompanharam até a cidade. Podemos imaginar que deve ter passado pela frente da “Casa do Burro Brabo” pela primeira vez. Ele escreveu no seu diário: “Depois do Canguiri principiaram os planos acidentados mais vastos, com montanhas ao longe. São lindíssimos. Perto de Curitiba encontrei os alemães a cavalo com fitas a tiracolo, nas cores brasileiras e alemãs e muitas outras pessoas. Começaram os prazos das colônias suburbanas onde vi muitas crianças lindíssimas.
Grande entusiasmo sempre e sobretudo na cidade, aonde cheguei à bela casa que habito às 3 h”. A casa onde ele ficou hospedado era a do comendador Antonio Martins Franco, localizada no antigo Paço Imperial (a casa ficava na atual Praça Tiradentes, bem em frente à Catedral, na esquina com a Rua Monsenhor Celso. Atualmente no local tem uma Casas Pernambucanas). Enquanto esteve em Curitiba ele pernoitou sempre naquela casa.

No dia 23 de maio D. Pedro II acordou as 6 horas, tomou café, e saiu. Visitou a cadeia (que ficava praticamente no lado da casa, na atual Praça José Borges de Macedo, mais ou menos onde hoje tem um mercado de flores. Visitou também o Mercado Municipal (que achou pequeno e com pouco movimento), que ficava nos fundos da cadeia, onde hoje tem o prédio do Paço Municipal na atual Praça Generoso Marques. Visitou também o Quartel de Polícia e o depósito de artigos bélicos e a Câmara Municipal onde conversou sobre as necessidades da cidade, “dessecamento de pântanos - abastecimento de água”, arborização das ruas principais e gramação das margens do Rio Ivo. Reclamou da conservação dos padrões métricos.

Almoçou as 9:30 h e saiu as dez e meia para visitar a Colônia Santa Cândida. Não faz qualquer referência ao caminho que tomou. Pode ter sido pela Estrada da Graciosa e assim teria passado pela frente da casa uma outra vez. Parece que na época existia um outro caminho, mais pelos lados do atual Ahú. Na Santa Cândida assistiu “missa em pequena capela decente”. Escreveu também: “Os colonos polacos alemães cantavam. Visitei diversos prazos. Plantam cereais da terra e centeio. Não tem moinho e tem de trazer o centeio à cidade em distância de mais de légua.”
Escreveu também: “No fim da colônia Santa Cândida, ao lado da cidade e antes dos argelinos estive nos prazos de dois suíços de Valois que cultivam também a vinha e fazem já vinho. O de Jean Nicolas pareceu-me menos vinagre. Ele com a filha mais velha ensinam os outros filhos. Agradou-me essa domesticidade. Ambos estes colonos são muito trabalhadores.”

Dalí partiu em direção ao Bacacheri onde parou na casa de Philippe Todd e Frederico Fowler, onde conversou com o pessoal e escreveu no seu diário: “Tem máquinas para picar palha e debulhar grãos. Tudo muito bem arranjado”. Deve, portanto ter passado pela frente da Casa do “Burro Brabo”, pois a propriedade onde parou ficava o que hoje seriam umas duas quadras mais adiante, no outro lado da rua. A propriedade era bem grande, ia mais ou menos de onde hoje está o Conjunto Solar até a Av. México, compreendendo toda a área onde hoje temos os quartéis e indo da Estrada da Graciosa (atual Av. Prefeito Erasto Gaertner) até mais ou menos a atual Linha Verde. Mais tarde parte da propriedade ficou conhecida como “Parque Inglês”. Até bem recentemente ainda restava a casa no número 1698 da Erasto Gaertner, mas foi demolida e no local agora tem um edifício de três ou quatro andares.

Saindo da casa do Sr. Todd, foi visitar a “Colônia Argelina” e escreveu: “Visitei três prazos, entre os quais o de Chatagner que, parece, vai dando alguma cousa ao dono.”

Depois disso ainda esteve na “Colônia Senador Dantas”, voltou para a casa onde estava hospedado, jantou, leu requerimentos e participou de recepção de “diversas deputações e das meninas das aulas e colégio”. As nove horas foi em um “concerto em que o pai do Dr. Itiberê (Dr. João Manuel da Cunha) cantou tocando ao mesmo tempo rabeca na orquestra, cantando também filha e neto. Esteve muito ruim o chamado concerto. Seguiu-se baile onde houve menos animação que no de Paranaguá. Tudo foi no salão do Museu em que arranjaram um coreto para a banda do Corpo Policial, que é boa. Antes tocasse ela só no concerto em que alemães cantaram coros muito parecidos com cantochão fúnebre. À meia noite voltei para casa.”

Depois de visitar Campo Largo, Palmeira, Ponta Grossa, Castro e Lapa, D. Pedro II retornou para Curitiba no dia 3 de junho de 1880 e no dia seguinte partiu da cidade em direção a Morretes. Não disse qual caminho tomou, mas podemos imaginar que foi pela Estrada da Graciosa e que passou mais uma vez pela “Casa do Burro Brabo”.

Com base na documentação que conheço, podemos concluir:
a) D. Pedro não pernoitou na casa;
b) não deu uma “fugidinha” durante a noite para visitar umas moças na casa (estava acompanhado da imperatriz, não dormiu nas proximidades e a casa só virou um prostíbulo no século seguinte) e
c) resta a possibilidade de ter parado nela para fazer xixi. Vai que antes de chegar na casa do Sr. Todd (ou quando estava indo embora) ficou apertado. Mas não há qualquer documento (pelo menos que eu conheça) que indique isso.

Referências:

LYRA, Cyro Illídio Corrêa de Oliveira et al. Espirais do tempo: bens tombados do Paraná. Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura, 2006. 440 p.
D. PEDRO II. Diários. Maço 37, Doc. 1057, Vol. 23. Arquivo da Casa Imperial do Brasil - POB. Transcrições gentilmente fornecidas pelo Museu Imperial/IBRAM/MinC.